sexta-feira, 30 de junho de 2023

Quebra-cabeça

 Tem certos momentos da nossa vida que são como quebra-cabeças. As peças são jogadas todas embaralhadas em cima da mesa, completo caos.

Desde criança aprendi que a primeira coisa a fazer é separar as peças da borda, que são mais fáceis de identificar, e começar a montar o contorno. E assim é na vida, primeiro visualizamos e damos os nossos limites. A partir daí setorizamos o que vamos montar primeiro, escolhemos a cor e vamos dando forma por partes. Às vezes cansamos e partimos pra outro ponto, mas só dá pra olhar pra um ponto de cada vez, não dá pra colocar duas peças ao mesmo tempo.

Outra coisa, quebra-cabeça é algo que leva tempo, não é instantâneo, a graça dele é o processo de montagem.
Assim são esses momentos caóticos da vida, é preciso respeitar o tempo e o processo de arrumar as peças, organizar parte a parte, sem desespero. Algumas peças são conhecidas, mas sempre tem peças novas. Escolher as mais fáceis e já conhecidas pra começar. Parar quando necessário, oxigenar, pensar que estão faltando peças (e às vezes estão mesmo), mas encontrá-las e dia a dia seguir montando e se reconstruindo.

sábado, 1 de outubro de 2022

Eu sempre gostei de ser política

 Vovô Carl cresceu numa Alemanha nazista, Vovô Grimaldo viveu a ditadura brasileira com medo, um homem genuinamente comunista. Minha história sempre foi claramente política (a de todos nós é, mas eu nem podia negar).

Quando pequena eu gostava de ir votar com minha mãe e dizer que era Lula pra agradar ela, uma das maiores consciências políticas que eu conheço até hoje.
Hoje, mulher feita, feita de muita luta apesar dos privilégios, de origem alemã, indígena e preta, também sou feita de muita consciência, muito pé no chão. Criada com consciência de classe e de coletividade, aprendi que meu voto não é só meu, vai além do meu umbigo e que eu só sou, porque nós somos, ubuntu!

E por tudo isso continuo gostando de ir votar, da sensação de pertencimento à uma nação tão rica, tão bonita e tão diversa.
Com olhos marejados de emoção, escrevo: Viva o Brasil, nós voltaremos a ser feliz!

sábado, 29 de janeiro de 2022

Como ser gente se eu sou mulher?

[um recorte de uma mulher branca, cis, hetero que atende aos padrões de beleza impostos]

Desde muito pequena sempre tive muitos amigOs. Logo cedo eu percebi que o grupo dos garotos tinha muito mais liberdade que o das meninas. Na adolescência essa diferença foi ficando mais gritante e os meninos podiam sair e se divertir mais que eu. Tive muita inveja. Mas quando vieram os relacionamentos amorosos é que tudo ficou absurdamente injusto. 

Primeiro de tudo que o amor romântico é uma construção social para a manutenção do patriarcado. E o que é vendido como o objetivo principal da vida da mulher? Achar o seu grande amor. Dentro desses relacionamentos heterossexuais é esperado da mulher um papel que é extremamente limitado. Ela deixa de ser ela mesma e passa a ser a namorada/esposa/etc e junto com esse título uma série de comportamentos passam a ser esperados dela. Comportamentos pacatos, de não exposição, de submissão e anulação. É sempre mais esperado de uma mulher que ela sofra do que ela se divirta. É espantoso uma mulher que gargalha alto, mas é aceito aquela que é depressiva. 

Me dei conta de quantos bares, festas, viagens fui a única mulher do grupo. Eu nunca me permiti me limitar à esse papel imposto e sempre quis desafiar essa normatividade. Se eles podem, porque eu não posso? E pude muitas vezes. Mas a que custo? Não é fácil você enfrentar todo um sistema porque não é apenas sobre você. A verdade é que você não é livre pra escolher não casar, não ter filhos, não seguir a cartilha imposta porque isso nunca será visto como uma escolha. E você passa a se questionar o tempo todo o que você quer, o que você é. Você não é sujeito, você é objeto. Não tem direito à ação, deve se submeter às normas impostas ou não terá direito ao amor, carinho e afeto. Será alijada, rejeitada.

A verdade é que nenhuma mulher cabe no pequeno papel que nos é dado. E quanto mais consciente disso, mais difícil se torna viver.

Mulher é potência revolucionária e sangra todos os dias ao ser podada nas diversas esferas que habita. 

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Amizade

 Amigo é âncora, é raiz, é fundação, é escora, suporte e segurança.
Amizade é respeito, sinceridade, liberdade. É entrega e troca.
Mas o mais bonito é que a amizade é escolha, não tem obrigação, não tem regra. 
Amizade é sentimento, é amor, é vida.

Em tempos de pandemia global, em que os bons sentimentos parecem estar escassos, o que seria de nós sem uma boa amizade? Posso afirmar que eu não estaria de pé como estou hoje. 

Mesmo com todo isolamento pude sentir tanto carinho, cuidado, preocupação e atenção das mais variadas formas, pois como eu disse, não tem regra na amizade. Foram bolos, fotos dos filhos, dos cachorros, da neve, áudios intermináveis, prints de fofocas, aulas de yoga, treinos compartilhados, chamadas de vídeo surpresa e conversas e mais conversas pelas redes. 
Pude sentir o respeito em todos os momentos que ouvi "queria te ver do jeito que der, você diz as condições" e assim foi possível olhar nos olhos e me sentir viva novamente.
Senti a liberdade quando eu precisei me fechar no meu casulo e quando eu retornei nenhuma cobrança foi feita.
Vivi a troca todas as vezes que escutei de desabafos e percebi que não estava só nas dificuldades.
E senti o suporte e segurança todas as vezes que me senti a vontade de dizer "não estou bem", independente do horário, e ser sempre acolhida da forma que fosse possível.
Pois escrevi tudo isso pra registrar o agradecimento a cada um dos meus amigos que fazem eu me sentir viva todos os dias com todo o amor recebido nos pequenos detalhes. 💚

domingo, 15 de novembro de 2020

Páginas

Tantas páginas em branco
Sem saber qual é a última
Última página
Última palavra
Último sentimento

Todos últimos, todos primeiros
O que separa primeiro e último?
É o que mais importa...
O caminho, o processo
O que acontece entre dois pontos.
O viver reside no "entre"
No ventre, visceral...

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Transformação

Para transform.ação
É preciso ação.
Para ação
É preciso cor.ação.
Ação do coração é cor.agem.

Para o coração agir
É preciso sentir.
Para sentir
É preciso permitir.
Deixar ir,
Deixar vir,
Fluir.
Corpo e alma unir.

Para transformação
É preciso ação
Corpo, alma, coração.

sábado, 12 de setembro de 2020

Cheiros

Percebi que estava com saudade de senti-los quando fiz meu primeiro passeio de carro à beira-mar no início da quarentena. Quando senti o cheiro do mar percebi o quanto a sua variedade me fazia falta. Eu que sempre fui apegada aos perfumes e às memórias que eles me traziam, me vi numa repetição de cheiros que me aprisionava. 

Desde então experimentei novas comidas e me pego passando uma infinidade de produtos na pele e nos cabelos, talvez na tentativa de buscar novos cheiros ou variar o meu próprio.

Mas me falta o cheiro de pele, cheiro do outro. Aquele cheiro de roupa limpa que tem dentro do abraço. Ou talvez aquele cheiro de suor com perfume que persiste ao final do dia. Ou o cheiro de suor vivo e iminente que a gente sente na hora do sexo.

Um cheirinho de comida que chega antes do próprio prato chegar à mesa. Um cheirinho no cangote do neném que nos traz paz e somos tomados de um amor incondicional.

Cheiros dos lugares. O abafado e aconchegante cheiro do teatro. O cheirinho de acarajé misturado com a maresia da praia. O cheiro da casa de alguém.

O cheiro me guia, me traz alegria, emoção, lembranças, por vezes me irrita...

Os cheiros são sinal de vida. A falta deles me traz solidão, distanciamento, falta de vida, pois até a morte tem o seu próprio cheiro.

Sigo criando artifícios para manter o olfato vivo até que seja possível e seguro novamente dar um abraço demorado, com o rosto enterrado no pescoço e com direito a cheirar sem ter hora pra acabar...